Súplica de Um Jovem Pastor

 

SÚPLICA DE UM JOVEM PASTOR





Nesta noite, ó Senhor, sou consagrado ao ministério da tua Palavra e que tremendo encargo recebo em meus ombros; não fosse minha absoluta certeza de que tu me chamaste e não sei onde iria encontrar coragem para tanto; mas, ó Senhor, tu, que fechaste tão positivamente, diante de mim, todas as portas a que fui bater e, não olhando minha indignidade, minhas quedas e meus tropeços, me abriste bem larga e acolhedora a porta do ministério, ajuda-me a prosseguir neste caminho, dignificando sem cessar o teu nome e honrando minha vocação.

 

Temeroso é o meu trabalho: pastorear teu povo, com tão pouca experiência da vida, conduzir as ovelhas de meu Mestre, com tão poucas forças, quem ousaria tanto?

 

Anima-me, todavia, a certeza de que tu, ó Senhor, que me escolhes­te, serás meu amparo e fortaleza, e, ao dar agora o meu primeiro passo na estrada nova, permite que o dê com firmeza e decisão;

 

ajuda-me, ó Senhor, porque já vislumbro as vezes em que minha visão se obnubilará ante a poeira da jornada e de Ti espero que me alimparás os olhos;

 

esclarece-me, Senhor, porque sou jovem, cheio de preconceitos e de ideias falsas, trabalhando pelo orgulho e pela vaidade; concede que esses inimigos, ao me assaltarem, não me vençam e que eu afaste por completo o desejo de dar na vista e de conquistar posições, contentan­do-me com o lugar que tu me deres e procurando discernir e cumprir a tua vontade;

 

auxilia-me a adiantar-me no saber, mas livra-me da presunção e que esteja sempre pronto a reconhecer que, apesar de meus cursos e dos livros que ler, os outros podem muito bem ser mais sábios do que eu; preserva-me desse terrível corrosivo que é a inveja e que eu saiba admirar nobremente a todos os que trabalharem bem, jamais descendo à baixeza de diminuí-los com comentários tendenciosos, só porque trabalham melhor do que eu;

 

dá-me a modéstia, que tão bem quadra num enviado teu, e protege-­me contra os triunfos tentadores, para que não desenvolvam em mim enfisemas intelectuais, que a tantos têm arruinado, principiando por ensoberbecê-los;

 

ensina-me a ser manso e bom, a moderar minhas violências e intransigências, mas dá-me um caráter que não admita contemporizações com o mal em qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias.

 

Faz-me pastor eficiente, isto é, fiel em todos os meus encargos, em quem o teu povo possa confiar, que seja ativo e empreendedor, sem que, entretanto, procure pôr tudo abaixo com a pretensão de poder arranjar sucedâneos melhores;

 

que nunca transfira as responsabilidades que me couberem para os ombros de terceiros, culpando-os de meus erros e fracassos e com isso dando-me por justificado, mas que saiba resistir impavidamente às consequências de meus erros, não procurando me apegar a ninguém mais senão a ti mesmo, para que me perdoes e reanimes;

 

que seja capaz, após algum fracasso, de começar de novo, quantas vezes for preciso, um trabalho feito e que isso faça de espírito sereno e alma animosa;

 

que saiba ser econômico, sem ser avaro, e caridoso, sem ser dissipador, procurando desenvolver cada vez mais na minha igreja a obra da beneficência;

 

que realize, no quanto for possível, um ideal de perfeição em todo o trabalho feito, seja grande ou pequeno, nada abandonando inacabado ou malcuidado;

 

permite que eu me canse no teu serviço, mas fortalece-me para que nunca a fadiga me domine de tal forma que me impeça de executar um trabalho necessário, tal como uma visita, uma pregação ou um auxílio;

 

concede que o meu conforto nunca venha se levantar como justifi­cativa para que me recuse a um serviço, mas que saiba deixar-me incomodar sem perder meu sorriso e saiba sacrificar refeições e des­cansos, enjeitar divertimentos e varar noites, sem queixas, nem lamen­tações, mas cada vez mais otimista e mais satisfeito com meu minis­tério;

 

consente que possa fazer todos os trabalhos com a mesma consagra­ção, sem que por isso aguarde agradecimentos ou louvores, quase sempre maus conselheiros;

 

ensina-me o meio de obter a dedicação do bom samaritano a qualquer hora, em qualquer lugar e para quem quer que seja.

 

Ajuda-me, ó Senhor, a dar valor à minha palavra, embora a com­prometa com uma criança, e que seja sempre pura e nobre e sincera, quer conversando, quer pregando, quer orando; livra-me do bombasticismo rebuscado e insincero;

 

que abomine os argumentos tortuosos, próprios para embair os outros e esconder meu pensamento verdadeiro;

 

que saiba pregar meus sermões extremos de palavras ocas, não aspirando galas literárias, mas, sim, a tua aprovação;

 

que, ao falar, procure alguma coisa e não faça arabescos na água que não satisfazem, nem confortam o ouvinte desejoso de sólido alimento espiritual;

 

dá-me ânimo para fugir às discussões tão procuradas por quem é moço, nas quais se gastam energias que devem ser concentradas para melhores fins;

 

concede-me a palavra boa para consolar os enfermos e os tristes, para reerguer os desanimados e os desviados, para convencer os divergentes e desinteressados, para me alegrar com os otimistas e incentivar os que trabalham;        

 

que sempre me expresse com límpida franqueza, sem que, no entanto, jamais confunda franqueza com insolência ou incivilidade e nunca me valha de indiretas covardes para ferir àqueles de quem discordo;

 

livra-me de julgamentos temerários e fundamentados em bases pou­co seguras, como informações de terceiros, intrigas ou atitudes mal interpretadas;

 

que eu saiba considerar a leitura de tua Palavra a melhor das leituras, a mais freqUente e a mais longamente meditada e que minha doutrina seja sempre sólida, conhecendo de tal forma minha Bíblia que não deixe voltar vazio aquele que para mim apelar.

Recorda-me que devo respeitar e acatar sempre meus colegas de ministério e que jamais venha a ser apanhado na falta grave de contra eles levantar aleives ou veicular murmúrios;

 

que eles tenham sempre de mim a maior consideração e confiança, porque, ó Senhor, no dia em que não houver confiança mútua entre os teus ministros, que será de tua Causa?

 

Se me reservas um papel de influência denominacional, que eu não me apresse a exercê-lo e me lembre de que não é preciso arrombar portas, antecipando-me à tua providência;

 

mesmo que nunca venha a ter influência e que fique toda a vida adstrito apenas ao trabalho de minha igreja, recorda-me que isto já é por demais glorioso e que, portanto, dirija minha igreja com o mesmo zelo que dedicaria a qualquer outra obra aparentemente mais honrosa, e procure nela edificar um núcleo forte para a glória de teu nome e honra da Denominação;

 

se nesta houver lutas, Senhor, que eu não siga outro partido senão o teu, que não tenha outra paixão que não a tua verdade, que não ouça outra voz além da tua falando em minha consciência, que não haja discurso nem tumultos que me impeçam de ouvi-Ia a indicar claramente minha posição e que, a ela obedecendo, arraste todas as críticas, incompreensões e julgamentos depreciativos; mas, se possível, Senhor, afasta-me dessas questões e concede, antes, que concentre minhas energias na igreja que me deste, ali realizando um trabalho sólido, puro e produtivo;

 

que ninguém, ó Senhor, de mim faça uso em proveito de seus interesses e que eu também nada faça confiado no apoio e defesa de terceiros; dá-me fortaleza de convicções para que não seja invertebrado em meus propósitos, sem consistência e sem perseverança, cata-vento que toda idéia nova faz girar;

 

ao mesmo tempo, reveste-me de coragem humilde e nobre de voltar atrás e confessar meus erros, quando for preciso, sem temer as acusações de versatilidade e incoerência, que, talvez, contra mim se levantarem.

 

Dá-me a dignidade devida para nunca me postar incondicionalmente do lado mais forte, nem incondicionalmente do lado mais fraco, mas incondicionalmente, sim, do lado justo, tenha, embora, contra mim o mundo todo, inclusive minhas amizades mais caras;

 

que nunca homem algum, por mais íntimo que seja, ou um partido, por mais forte que se diga, me dissuadam de fazer o que a tua vontade me ordenar;

 

ajuda-me a ser igual no tratamento de todos com quem agir, falando aos grandes sem servilismo e aos pequenos sem altivez, a todos com a mesma deferência e a mesma simpatia.

 

Permite, ó Senhor, que jamais ninguém me chame de mercenário, ou então que, embora os homens me julguem mal, tu vejas que meu interesse único é exercer com fidelidade meu ministério e que ele é, para mim, a mais importante tarefa de minha vida;

 

se, por acaso, for obrigado a "fazer tendas", para me manter, abençoa-me em tal serviço secular, para que possa dar um testemunho que transforme o trabalho numa projeção de meu ministério;

 

dá-me a sabedoria de evitar a freqüência de lugares onde um pastor nunca deveria pôr os pés, a fim de que ninguém me aponte como exemplo e justificação de desvios funestos;

 

que, sabendo que sou observado pelos homens, para verem se me apanham em falta, tome isso em consideração, mas o faça sem hipocrisia, sendo igual homem na rua ao homem que for na igreja e no lar, não afivelando máscaras adaptadas a lugares e situações;

 

que também em pensamento não seja dúbio e que, ao falar de teu evangelho, não tome uma atitude convencional e falsa, dogmatizando com idéias postiças; que minhas palavras não sejam desmentidas por meus atos;

 

que meu pensamento seja sempre puro, de modo a poder transferi-lo e qualquer outro assunto para um sermão ou uma prece, sem necessidade de me altear de qualquer baixeza em que esteja devaneando comprazido;

 

que não me orgulhe de feitos e virtudes, mesmo perante os mais íntimos, dispondo de uma veste de pavão para uso caseiro, e me revestindo de modéstia apenas para uso externo;

 

que, se por acaso for preterido num trabalho, saiba discernir nisso a tua vontade agindo e que não contenda, não me sinta ofendido pela preterição, nem dela viva falando amargurado ou queixoso;

 

que, o quanto possível, mantenha meu corpo sadio e forte, pois é o templo do Espírito, mas lembrando-me sempre de que é piedade que para tudo é útil e que meus joelhos não cansem de se dobrar diante de ti e meus pés não se exaurem de caminhar no teu serviço;

 

que eu saiba coibir meus impulsos e saiba ser, na justa medida, tolerante, sabendo exortar com simpatia e compreensão, de modo a ganhar, e não a afugentar os homens.

 

Dá-me Senhor uma companheira que seja de fato uma ajudadora em todo o meu trabalho, que tenha também espírito de sacrifício e não viva se embonecando como qualquer frívola mundana, nem preocupada com deleites outros que não os do lar e os de teu serviço; que seja piedosa e diligente, ajudando-me quando eu sentir muito grande o peso de minhas obrigações, animando-me quando vir diante de mim turvos horizontes, corrigindo-me, amorosa, quando minhas tendências, despertadas, me quiserem desviar do plano correto de conduta, caminhando comigo lado a lado, até o fim, para onde quer que me enviares, sem discutir e sem se rebelar;

 

que tenha a compreensão necessária para me apontar erros de que me possa desviar e não me induza a concessões que me amolentem o espírito;

 

que, dedicada e atenciosa, humilde e cheia do desejo de servir, concorra para conquistar o meu povo e atrair almas para tua igreja;

 

que não ande metida em intrigas e maledicências, nem faça questão de ser a mais bem vestida na igreja, a fim de que por causa dela eu não venha a ser censurado;

 

que saiba servir e tenha caráter, despreocupada de mundanidades, mas comigo mantendo, até o dia em que me chamares ou a chamares, a mais completa união de vistas;

 

que saiba comer comigo o pão das lágrimas e arrostar, decidida, o açoite da perseguição, sem que venha me lançar em rosto a culpa dessas coisas ou me atormentar com lágrimas e suspiros, em lugar de, bem unida a mim, enfrentar bravamente a vida de tal modo que diante das tempestades apareçamos ligados como se fôssemos um só.

 

Finalmente, Senhor, perdoa-me a insipiência, os trabalhos malfeitos e as mil inevitáveis omissões em que a minha mocidade me fará incorrer, e enrijece-me espiritualmente para que melhore todos os dias;

 

que me conserve absolutamente honesto e puro, não tendo de que enrubescer, quando erguer a mão para abençoar, em teu nome, o rebanho que tu me confiares; que saiba não ser pela prática de todas essas coisas que irei ganhar o céu, pois este, Cristo, por seus méritos, tão-somente já ganhou para mim, mas que as faça porque almejo ser mordomo fiel, e porque, tendo sido regenerado, tornei-me árvore boa, que deve produzir bons frutos.

 

E mais e mais coisas tenho para te pedir, ó Senhor, e tu o sabes; a agitação desta hora em que sinto o glorioso e o difícil de minha investidura não me deixa lembrar de tudo. Mas tu sabes, Senhor, e tu me darás auxílio.

 

E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno. – Salmos 139:24 (ACF)

 

 

 

Autor: Pastor José dos Reis Pereira. Fonte: FERREIRA, Ebenézer Soares. MANUAL DA IGREJA E DO OBREIRO. JUERP. 1981.

 

Nenhum comentário:

Bem vindos!